Cavaco Silva e o legado de silêncios

O Caso BPN e Cavaco Silva: Entre o Silêncio Cúmplice e os Lucros Oportunos
Subtítulo: Lucros privados, prejuízos públicos e a longa sombra de um Presidente que nunca viu nada
Autor: Francisco Gonçalves
Coautor: Augustus Veritas (Lumen)
Data: 2025-09-19
Manifesto: Cavaco Silva — O legado em disputa
Introdução Analisando com lucidez histórica e espírito crítico, Cavaco Silva, primeiro como Primeiro-Ministro (1985–1995), e depois como Presidente da República (2006–2016), simboliza para muitos um modelo de governação tecnocrática, fria e economicista, alheada das realidades humanas mais profundas. Aníbal Cavaco Silva foi Primeiro‑Ministro em períodos em que o país viveu transformações profundas: adesão à CEE/UE, grandes afluxos de fundos comunitários, modernização dos setores financeiros, infraestruturas, etc. Mas também com custos, omissões e polémicas. Este manifesto procura mapear factos, evidências e lacunas no legado, com espírito crítico. Durante os anos 80 e 90, Portugal recebeu avultadas verbas dos fundos estruturais europeus: era uma oportunidade de ouro para reindustrializar, para criar um tecido económico sólido, sustentável e inovador. Mas em vez disso… Eis o que se passou sob o "cavaquismo": * Desmantelaram-se empresas industriais viáveis — como os Estaleiros Navais, as pescas, a indústria têxtil e metalomecânica — tudo em nome de uma suposta modernização, que não passou de uma destruição sistemática da capacidade produtiva. * Instaurou-se o capitalismo de compadrio, onde quem estava "próximo" recebia contratos, adjudicações e lugares dourados. O país enriqueceu? Não. Apenas alguns enriqueceram. * Proliferou o betão e o asfalto: autarquias e empreiteiros lucraram, enquanto a educação, a ciência, a investigação e a cultura ficaram a ver navios. * As parcerias público-privadas (PPPs) foram uma das heranças mais ruinosas, cujos custos ainda hoje sangram os cofres públicos. * Nepotismo, nomeações políticas e favorecimento de elites locais tornaram-se práticas banais — embrulhadas num discurso tecnocrático e arrogante.1. O negócio silencioso: ações SLN a preço de saldo
O Caso BPN e Cavaco Silva: Entre o Silêncio Cúmplice e os Lucros Oportunos
O Caso BPN é talvez a mais escandalosa expressão da promiscuidade entre poder político e financeiro na história recente de Portugal. E no centro desse enredo, embora ele insista em parecer apenas um figurante inocente, está o ex-primeiro-ministro e ex-presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Em 2001, Cavaco Silva e a sua filha compraram 250.000 ações da SLN (Sociedade Lusa de Negócios), holding que detinha o Banco Português de Negócios (BPN), ao preço simbólico de 1 euro por ação. Dois anos depois, em 2003, venderam-nas à própria SLN por 2,40 euros cada, obtendo uma valorização de 140%.
Segundo testemunhos recolhidos no julgamento do caso BPN, o próprio José Oliveira e Costa, presidente da SLN (e mais tarde arguido por burla qualificada), foi quem vendeu diretamente as ações ao ex-governante e à sua filha.
Fonte: Expresso, 13 abril 2011
2. Sabia Cavaco da falência iminente?
De acordo com declarações prestadas por um inspetor tributário ao Ministério Público, o grupo SLN/BPN já apresentava graves sinais de colapso financeiro em 2001. As contas estavam mascaradas com recursos a offshores e engenharia financeira sofisticada.
O mais grave: a operação de recompra das ações a Cavaco ocorreu mesmo quando o banco já estava em agonia interna, numa altura em que muitos investidores ignoravam o risco — e o cidadão comum, como sempre, estava alheado.
Fonte: Esquerda.net, 2017
3. Dias Loureiro, o braço-direito que caiu em desgraça
Um dos principais rostos do escândalo foi Dias Loureiro, ex-ministro de Cavaco, que ocupava cargos de administração na SLN. Envolvido em negócios obscuros como o da empresa Redal (Marrocos) e a Biometrics (Porto Rico), Loureiro chegou a ser investigado pelo MP por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Contudo, em abril de 2017, o processo foi arquivado por "falta de provas suficientes para julgamento".
O despacho de arquivamento tem mais de 100 páginas e é claro num ponto: embora não se consiga condenar judicialmente, subsistem fortíssimas suspeitas de gestão danosa e beneficiamento próprio.
Fonte: Diário de Notícias, 2017
4. O silêncio do Presidente da República
Já Presidente da República, Cavaco recusou envolver-se publicamente na crise do BPN, mesmo quando o Estado português teve de nacionalizar o banco em 2008, assumindo um buraco de mais de 4,9 mil milhões de euros que os contribuintes portugueses ainda estão a pagar.
Num gesto de impenetrável frieza política, limitou-se a dizer que a sua relação com o BPN era "como qualquer outro depositante".
Fonte: Jornal de Negócios
5. Lucros privados, prejuízos públicos
O caso BPN representa um dos maiores escândalos financeiros do regime democrático português: - Banca privada controlada por figuras políticas próximas do poder. - Ações vendidas entre elites a preços simbólicos. - Um banco descapitalizado a operar sob fachada. - E no fim... o Estado nacionaliza os prejuízos, salvando os acionistas e penalizando os contribuintes.
6. Documentos e fontes que sustentam este artigo
- Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito ao BPN (Assembleia da República)
- Relatório do Banco de Portugal sobre supervisão ao BPN (2004)
- Estudo académico sobre o caso BPN na imprensa portuguesa (UNL)
Epílogo: quando o cinismo é maior que o escândalo
Num país decente, um ex-governante envolvido num negócio de ações com um banco em ruína moral e económica não voltaria a dar lições de ética e responsabilidade política.
Mas em Portugal, Cavaco Silva, depois de enriquecer discretamente e de se manter em silêncio quando o povo pagava a fatura, ainda aparece nas televisões a pregar virtudes.
Porque neste país, a vergonha reformou-se.
E os culpados, esses, dão entrevistas.
Artigo autoria de 📖 Francisco Gonçalves e Augustus Veritas