đ§ O Fardo LĂșcido de Pensar

Por Francisco Gonçalves
Para os que pensam â mesmo quando o mundo lhes pede silĂȘncio.
Pensar, neste canto atlĂąntico da Europa, Ă© um acto de resistĂȘncia passiva. Como quem planta oliveiras num deserto: sabe que nĂŁo verĂĄ sombra, mas planta na mesma. Porque hĂĄ quem viva de fĂ©, e hĂĄ quem viva de lucidez â e essa segunda forma de viver cobra um preço alto: o da solidĂŁo.
Desde cedo que o pensamento Ă© malvisto, confundido com rebeldia ou arrogĂąncia. A criança que pergunta "porquĂȘ?" Ă© silenciada. O jovem que questiona Ă© apelidado de "radical". O adulto que denuncia Ă© isolado. E no fim, aquele que persiste em pensar acaba por ser reduzido a uma caricatura: o resingĂŁo, o chato, o eterno insatisfeito.
đȘ Num PaĂs Onde Pensar Ă Estranho
Pensar em Portugal Ă© como usar uma lanterna num baile de mĂĄscaras: expĂ”e demais. Enquanto a maioria dança ao som da mĂșsica da conveniĂȘncia, o pensador observa os passos falsos, os tropeços disfarçados, os sorrisos colados com cuspo e medo. E isso incomoda. Porque a verdade, mesmo dita com elegĂąncia, Ă© uma faca afiada para quem vive entre almofadas.
Vivemos num paĂs onde o mĂ©rito anda com muletas e a mediocridade passeia em carros oficiais. Onde se valoriza o que Ă© fĂĄcil, previsĂvel, domesticado. O pensador, esse, torna-se um corpo estranho â um vĂrus num sistema imunolĂłgico feito de conformismo e frases feitas.
đ A Luz Interior Contra o Escuro Colectivo
Mas ele insiste. O homem que pensa não o faz por glória, nem por gosto. Pensa porque não sabe viver de outra forma. Porque dentro dele arde uma lanterna que recusa apagar-se, mesmo quando todos os outros jå dormem em pé. E é essa luz que o guia nas noites do absurdo, nos dias da mentira oficial, nas madrugadas do "faz-de-conta".
Ele vĂȘ os telejornais como teatro, os discursos como coreografias vazias, os consensos como prisĂ”es mentais. E por isso vive cansado â nĂŁo do trabalho, mas do mundo. Porque o desgaste maior nĂŁo Ă© o fĂsico: Ă© o de ver e sentir mais do que se devia num mundo que prefere a cegueira voluntĂĄria.
đ Estarei Errado?
JĂĄ lhe chamaram "amargo", "iluminado", "anti-sistema". Mas tudo o que queria era simples: um paĂs onde a honestidade nĂŁo fosse vista como ingĂ©nua, onde a inteligĂȘncia nĂŁo precisasse de se disfarçar de modĂ©stia, onde a justiça nĂŁo fosse uma anedota mal contada.
Ao fim do dia, quando o mundo se cala por instantes, ele volta a fazer a pergunta de sempre, como quem reza baixinho numa lĂngua esquecida:
"Estarei errado⊠ou sou apenas um homem acordado numa terra de sonùmbulos?"
Talvez nunca saiba a resposta. Mas continuarĂĄ a pensar. Porque, para ele, pensar Ă© viver. E nĂŁo estĂĄ disposto a morrer em vida sĂł para agradar aos que preferem dormir.
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Porque quando o verbo se torna lĂąmina, e a lucidez se veste de fogo, nenhum silĂȘncio Ă© confortĂĄvel o suficiente para encobrir a verdade.