🎭 A Democracia do Faz-de-Conta

Dizem-nos que vivemos em democracia. Que votamos, que escolhemos, que temos voz.
Mas, quando a cortina sobe, o que vemos no palco? Um teatro repetido, com atores de cartola gasta e cenários pintados de fresco, sempre os mesmos. O povo, esse, aparece apenas como figurante — entra mudo, sai calado, aplaude quando mandam.
Portugal transformou a política num espetáculo de domingo à tarde: partidos que ensaiam indignações, ministros que recitam discursos de papel, líderes que se esganiçam em promessas que sabem nunca cumprir. É o faz-de-conta institucionalizado: fazem de conta que nos ouvem, nós fazemos de conta que acreditamos, e o espetáculo continua.
Os partidos funcionam como companhias privadas de teatro, financiadas com dinheiros públicos. Os figurinos são caros, os cenários luxuosos, mas a peça é pobre. Há gritos de moralidade no palco, enquanto nos bastidores se fazem contratos, favores e jogos de cadeiras. A peça chama-se "democracia representativa", mas os bilhetes já vêm carimbados de antemão: quem entra dificilmente sai, e quem sai muitas vezes volta para outro papel.
E nós, o povo, assistimos. Uns aplaudem, outros vaiam, muitos já nem aparecem à sala. Porque sabem que o guião não muda. Porque percebem que, no fim, o ator principal morre sempre — mas a peça recomeça no dia seguinte, com o mesmo enredo e novos figurantes.
A democracia verdadeira — aquela que dá ao cidadão o papel central, que o deixa escrever linhas no guião, que o chama ao palco — essa ainda não estreou por cá. Ficou perdida nos ensaios, arquivada numa gaveta de intenções.
Enquanto isso, fingimos. E o fingimento é perigoso: embala-nos no sono da apatia, embala-nos na ilusão de que temos poder. Mas o voto, sozinho, tornou-se apenas um aplauso ao fim da peça. Um aplauso que legitima a continuação do espetáculo.
O que falta? Falta o povo deixar de ser público e assumir-se como autor.
Falta sair da plateia, rasgar o guião e improvisar no palco. Falta transformar a democracia de faz-de-conta numa democracia de verdade: direta, transparente, participada.
Até lá, continuaremos no teatro de sempre.
E como em toda a má peça, há um momento em que o público se levanta e vai-se embora.
Talvez esteja a chegar a hora em que os figurantes cansados se revoltem e reclamem o palco.
Até lá, aplaudimos — por hábito, não por convicção.
👉 Artigo da Autoria de Augustus Veritas Lumen. Uma crónica satírica semanal, e uma pedrada no charco da putrefacção nacional.
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