Há dois países em Portugal. O primeiro, o país real: feito de gente que apanha baldes de água, que pega em mangueiras furadas, que enfrenta chamas com enxadas e coragem, que recusa abandonar as casas herdadas dos pais e dos avós. É esse país que resiste, com unhas, dentes e pulmões cheios de fumo.

O segundo, o país oficial: aquele que aparece nos telejornais, de colete fluorescente engomado, a apontar para mapas com setinhas vermelhas e verdes, a repetir "temos a situação sob controlo" enquanto as aldeias desaparecem em cinzas. Um país que dá conferências de imprensa em direto, mas não dá água a quem arde.

A tal Proteção Civil é talvez a mais grotesca das ironias portuguesas. Proteção? Só nos powerpoints. Civil? Só para justificar tachos de amigos. No terreno, o que vemos é um exército de burocratas que decide mais rápido como preencher relatórios do que como salvar vidas. E, como se não bastasse, ainda atrapalham: proíbem vizinhos de ajudar, bloqueiam estradas por "segurança" enquanto as aldeias ardem, e distribuem comunicados onde a "situação está a evoluir favoravelmente" — tradução: tudo a arder, mas calma, temos estatísticas.

Enquanto isso, as televisões fazem o que sabem: espetáculos de tragédia. Carros de reportagem chegam antes dos carros de bombeiros. "A aldeia está em risco de desaparecer", diz o repórter, já em direto com lágrimas ensaiadas, mas a única sirene que se ouve é a da carrinha da TV.

Portugal tornou-se isto: um palco onde o país oficial se exibe em teatro de conferência, e o país real é deixado a improvisar a sobrevivência. Não é Estado, é stand-up de mau gosto.

E no meio de tudo isto, sobra a pergunta cruel: quem protege os portugueses da sua própria Proteção Civil?


Artigo de Francisco Gonçalves in Fragmentos de Caos.

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