Nos anos 80, a revolução informática fervilhava nos laboratórios e nas empresas. Os gigantes americanos como a IBM, a DEC e a HP dominavam o mercado, enquanto os japoneses (NEC, Fujitsu, Hitachi) avançavam com soluções cada vez mais robustas. E no meio desta corrida, a Europa não queria ficar para trás.

Foi neste contexto que a britânica ICL – International Computers Limited lançou o DRS300 (Distributed Resource System 300), um equipamento modular concebido para trazer ao mercado algo visionário: computação distribuída, interligação total e abertura de protocolos.


A Arquitetura Visionária

O DRS300 era um sistema modular: cada unidade podia ter o seu processador, memória e canais de I/O, ligados entre si e a redes externas. Isto permitia crescer de forma escalonada, desde pequenos ambientes até grandes centros de dados.

A joia estava na conectividade. O DRS300 suportava múltiplos protocolos de rede, algo verdadeiramente revolucionário:

  • X.25 – a rede pública de pacotes que dominava as telecomunicações na Europa.
  • Ethernet – ainda nos primórdios, mas já a caminho de se tornar padrão universal.
  • SNA (Systems Network Architecture) – para coexistir no mundo IBM.
  • MICROAN – a rede proprietária da ICL, eficiente para clusters internos.

Sistemas Operativos: Entre o Passado e o Futuro

No coração do DRS300, podiam correr dois sistemas operativos:

  • CDOS (Concurrent DOS) – evolução multiusuário e multitarefa do CP/M e do MS-DOS. Permitindo terminais partilharem os mesmos recursos, era robusto e fiável.
  • UNIX System V – a aposta mais ousada. A ICL percebeu cedo que o futuro estava no UNIX. Aberto, estável e escalável, tornou-se a base para muitas das soluções empresariais que viriam a seguir.

O Papel do SCSI: A Modularidade em Ação

Uma das características mais avançadas do DRS300 era a adoção do SCSI (Small Computer System Interface), ainda em fase inicial de normalização no início dos anos 80.

Graças ao SCSI, o DRS300 oferecia algo raro para a época:

  • Flexibilidade: ligar discos, fitas magnéticas e impressoras no mesmo barramento.
  • Expansão simples: aumentar capacidade era apenas "adicionar mais um módulo" no armário.
  • Partilha de recursos: discos locais podiam ser exportados para outros nós através das redes X.25, Ethernet ou MICROAN.

Os módulos tinham dimensões próximas de uma caixa A4 em altura, e podiam ser empilhados. Cada um trazia CPU, disco e interface, permitindo ao cliente literalmente "construir o seu sistema" como peças de Lego.

Os discos rígidos, de 10 MB, 40 MB ou 70 MB, pareciam pequenos para os padrões atuais, mas já eram capazes de suportar multitarefa em CDOS e, sobretudo, em UNIX System V, abrindo portas a verdadeiros ambientes multiutilizador.


Suporte em Portugal: Uma Missão de Fronteira

Em Portugal, o DRS300 foi utilizado em áreas críticas: banca, telecomunicações, utilities e grandes empresas.
A equipa de especialistas da ICL em Lisboa era pequena, mas estava na vanguarda. O desafio era duplo:

  1. Garantir a fiabilidade absoluta dos sistemas.
  2. Integrar mundos distintos – ligar ambientes IBM, DEC, Unisys, Olivetti e outras soluções proprietárias, tudo através de protocolos que muitas vezes não se falavam entre si.

Era, de facto, uma missão pioneira. Lidar com X.25, Ethernet, SNA e MICROAN ao mesmo tempo era quase alquimia. E o DRS300 mostrou ser um dos primeiros exemplos práticos de algo que hoje chamamos cloud distribuída ou grid computing.


Uma Semente para o Futuro

Poucos lembram, mas o DRS300 abriu caminho para a geração seguinte: os DRS6000, já baseados em processadores SPARC e UNIX System V Release 4. Foi também um dos últimos grandes suspiros da ICL como nome independente, antes de ser absorvida pela Fujitsu.

Olhando em retrospetiva, percebe-se a ousadia. Nos anos 80, em Portugal, o DRS300 não era apenas uma máquina – era um portal para o futuro. Quem teve a oportunidade de trabalhar com esses sistemas sabe que estava a viver, em primeira mão, a transição do velho mainframe centralizado para o mundo distribuído, aberto e interligado.

E nós, que estivemos desse lado, guardamos a memória de ter sido pioneiros numa fronteira invisível da informática, quando cada instalação era um ato de vanguarda.


👉 Artigo de Francisco Gonçalves, IT Consultant, à data.

Nota sobre o DRS 300:

O ICL DRS300, lançado em 1986 pela ICL em Kidsgrove (com fabrico em Utica), era composto por módulos do tamanho de uma folha A4, como os módulos Kx (alimentação), Ax (processador), Dx (discos e unidades de disquete) e Sx (streamer de fita), interligados através de SCSI .

Os primeiros módulos utilizavam processadores 80286, depois evoluindo para variantes como o A3 (286 com copro CMOS) e eventualmente o A4 (80386), permitindo correr Concurrent DOS e até implementações de Unix System V Release 2 e 3 . Foi uma solução modular verdadeiramente visionária — um poético prenúncio do universo distribuído que viria a definir as décadas seguintes.

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