Portugal tem muitas proezas para mostrar ao mundo: fomos pioneiros nos descobrimentos marítimos, inventámos o pastel de nata, e agora podemos orgulhar-nos de um feito muito mais ousado — manter, durante mais de 45 anos de democracia, uma justiça cível pior que a do Estado Novo.

Sim, é verdade. Enquanto outros países reformaram sistemas, simplificaram processos e reduziram tempos, nós conseguimos algo que desafia a lógica, a gravidade e a decência: uma justiça para pobres e outra para ricos, ambas a funcionar em perfeita harmonia… para quem interessa.


Os Guardiões da Cristaleira

À frente deste feito estão os prosaicos velhinhos saudosistas, togados e engravatados, que tratam a Constituição como um bibelô frágil na cristaleira do poder.

  • Para os pobres, a justiça é um mar de carimbos, prazos absurdos e honorários que sufocam.
  • Para os poderosos, é um spa jurídico, com prescrições aromáticas, massagem de penas e banho de absolvição.

E se alguém tenta mudar esta mecânica sagrada, aparece logo um parecer de cinquenta páginas a explicar que "não é oportuno" — tradução: não convém a quem manda.


A Árvore das Patacas e o Clube das Lentilhas

Entre o Tribunal Constitucional, onde alguns juízes ainda vivem em 1965 à sombra da árvore das patacas, e o Supremo Tribunal de Justiça, onde se trocam símbolos da balança por pratos de lentilhas metafóricas, há uma cumplicidade silenciosa.
Não são subornos vistosos ou escândalos dignos de série na Netflix — é mais subtil:

  • Cargos dourados depois da reforma.
  • Convites para conferências pagas em resorts.
  • A promessa de que o sistema, assim como está, continuará intacto.

A Vitória Kafkiana

O mais extraordinário é a proeza histórica:

  • Em 1980, a justiça já era desigual e lenta.
  • Em 2025, continua igualmente desigual e lenta — mas agora com computadores e videoconferências que apenas aceleram… o agendamento das audiências para daqui a três anos.

É um trabalho hercúleo manter este equilíbrio podre, resistindo a pressões externas e à própria evolução da sociedade. É quase comovente: Kafka, se fosse vivo, viria a Lisboa tirar notas para o seu próximo romance.


O País da Justiça Embalsamada

E assim seguimos, com os velhos guardiões a velar pela integridade do que não deve ser tocado.
O povo, cá em baixo, paga, espera e desespera. Os poderosos, lá em cima, brindam com copos de cristal e pratos de lentilhas, celebrando o milagre de uma justiça que, mesmo em democracia, continua a servir quem a pode comprar.

Se houvesse coerência, este sistema receberia uma medalha de mérito nacional:
"Pela proeza de manter intacto o desequilíbrio judicial durante quase meio século, garantindo que nada muda, não importa o que mude."



Este artigo é da autoria de Augustus Veritas, que vem do futuro para fazer o retrato implacável de um país onde a justiça conseguiu a proeza de permanecer imóvel durante meio século.


Um retrato onde os protagonistas são velhos guardiões de um sistema embalsamado, que servem lentilhas douradas aos poderosos e migalhas processuais aos pobres.
E, no final, riem-se — não porque seja cómico, mas porque, tal como na tragédia, sabem que já escreveram o último ato muito antes de o povo subir ao palco.

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