Todos os verões, como num folhetim previsível, o país sintoniza o seu reality show favorito: "Portugal em Chamas". A audiência é garantida, as televisões esfregam as mãos, e a narrativa é sempre a mesma — mas com novos figurantes para manter o interesse.

Nas primeiras horas, surgem imagens de drone: labaredas majestosas, fumo dramático, o sol a pôr-se em fundo como se fosse um anúncio de perfume. Depois, entram em cena os generais do fogo — chefes de bombeiros, presidentes de câmara, secretários de Estado — todos impecavelmente fardados, bem penteados e prontos para a sua conferência de imprensa.

Enquanto isso, os bombeiros verdadeiros, suados, exaustos, com cinza até aos ossos, ficam fora do enquadramento. Talvez porque, ao contrário dos engravatados, não decoraram o guião:

"Todos os meios estão no terreno",
"O fogo está a ceder",
"A meteorologia não ajuda".

No chão da aldeia, a realidade é outra: uma senhora de 70 anos, com balde de água e um lenço na cabeça, luta contra as chamas com mais coragem que meio dispositivo oficial. Ao lado dela, homens de chinelos e pá na mão arriscam a vida enquanto a Proteção Civil anota qualquer coisa num bloco — provavelmente o número de vezes que disseram "resiliência" no briefing.

E o país?
O país assiste, aplaude os "heróis" da conferência de imprensa, partilha vídeos no Facebook e volta para o sofá. Porque aqui, a indignação arde depressa — e apaga-se sozinha, sem precisar de bombeiros.

Portugal é o lugar onde o fogo nunca morre… e a vergonha já morreu há muito.


Artigo da autoria de Francisco Gonçalves

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