Portugal: Os Três F de Ontem e os Três F de Hoje

Durante os longos anos da ditadura, dizia-se que Portugal era o país dos "três F": Fado, Futebol e Fátima. Três pilares cuidadosamente cultivados pelo regime salazarista para manter o povo entretido, emocionado e ajoelhado.
O Fado chorava a saudade. O Futebol alimentava paixões tribais. Fátima oferecia consolo divino ao sofrimento terreno. Enquanto isso, a liberdade era sufocada, a educação racionada, e a voz do povo abafada pelo ruído da propaganda.
Veio Abril, e com ele a promessa de um novo país: livre, justo, desperto. Mas passaram-se cinquenta anos. E hoje, perguntamos com tristeza: mudou assim tanto?
Os Novos Três F
Hoje não vivemos numa ditadura formal. Mas a essência do controlo não desapareceu: apenas se transformou.
- Futebol continua a ser o ópio moderno. Estádios cheios, debates acesos, paixões inflamadas. Milhares esquecem a crise, a corrupção, os escândalos, porque "amanhã jogamos com o rival".
- Fátima permanece, agora com drones, multimédia e discursos presidenciais. A fé continua a ser instrumentalizada por políticos que se ajoelham mais por votos do que por devoção.
- Fado, património mundial, tornou-se produto de exportação. Mas também se modernizou em forma de resignação colectiva: o novo fado é o da precariedade, da habitação impossível, da juventude que emigra e dos velhos esquecidos.
Mas há mais...
A par destes, surgiram os novos F silenciosos:
- Fake News: alimentadas por algoritmos e partilhas irreflectidas, moldam opiniões e destroem o debate.
- Facção: o país polarizou-se em trincheiras digitais e partidárias. O que interessa é o clube ideológico, não o bem comum.
- Fome: disfarçada por ecrãs e promoções. Milhares vivem no limite, entre recibos verdes e rendas impraticáveis. A pobreza tem hoje roupa limpa e silêncio institucional.
O Verdadeiro F que Falta: Futuro
Portugal precisa de um novo "F": Futuro. Mas para isso, é preciso quebrar o ciclo do adormecimento colectivo. Precisamos de um povo que questione, que participe, que se levante. Que recupere o espírito de Abril e o actualize, sem medo.
A liberdade não se esgota em eleições. A democracia não sobrevive em silêncio. O futuro não se constrói com distracção.
Portugal tem talento, memória, coragem e paixão. Falta-lhe apenas vontade de romper com os velhos encantamentos e fazer do próximo F aquele que verdadeiramente liberta:
F de Força. F de Frontalidade. F de Futuro.
Porque, 50 anos depois, já não basta cantar o fado, bater palmas no estádio ou acender velas em Fátima.
É tempo de acender consciências.
Conclusão
Os "três F" de ontem foram instrumentos de controlo. Os de hoje, embora disfarçados de liberdade, continuam a toldar o discernimento colectivo. Se queremos um país diferente, não basta lembrarmo-nos de Abril com flores murchas e discursos vazios. É preciso que Abril viva dentro de nós — nas ruas, nas escolas, nas urnas, nos empregos, nas conversas, nos gestos pequenos e nos actos grandes.
Portugal precisa urgentemente de um novo alfabeto. Um que comece com "F" de Futuro, mas que vá muito além: com "L" de Liberdade, "D" de Dignidade, "T" de Trabalho com justiça, e "P" de Povo desperto.
Enquanto nos deixarmos embalar pelos velhos encantos, o país continuará a cantar lamentos em vez de levantar-se em coro.
Mas há sempre quem resista, quem escreva, quem grite, quem plante — e quem acorde. E são esses que fazem o verdadeiro 25 de Abril florescer. Mesmo que em silêncio. Mesmo que sós.
Porque, no fim, é da lucidez dos inconformados que se faz o futuro.
🇵🇹📜✨Artigo de Francisco Gonçalves in Fragmentos de Caos
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