Memórias críticas da ilusão parapsicológica na era da Guerra Fria


I. Os anos 70: o delírio organizado

Os anos 70 foram uma época estranha — uma espécie de febre coletiva onde tudo parecia possível, mesmo o absurdo mais flagrante.
Era miúdo, mas já me fascinava pela lógica e pela ciência. E via, com olhos espantados mas atentos, aquele caldo fervilhante de:

  • Espiritualismo pop e promessas de transcendência barata,
  • Drogas psicadélicas e gente a jurar que "saiu do corpo",
  • Curandeiros televisivos com sorrisos de plástico,
  • E uma obsessão crescente com "poderes mentais".

No meio desse circo, surgiram os "milagres filipinos": supostas cirurgias com as mãos nuas, onde homens de bata branca abriam corpos sem bisturi, tirando tumores que mais pareciam panos húmidos. A televisão adorava.
Mas eu, ainda adolescente, já via o truque.
Não havia milagre nenhum — só ilusionismo de feira com aroma tropical e sangue de galinha.


II. Os médiuns, os objetos e as colheres dobradas

Depois vieram os médiuns telepáticos, os sensitivos soviéticos e as estrelas da TV a entortar colheres com a mente. Lembro-me bem de Uri Geller, o homem que dizia dobrar metais com o pensamento — até que James Randi, mágico sério, mostrou como se fazia tudo com um truque de mãos e distração do olhar.

O mais incrível não era o embuste — era a quantidade de gente que acreditava nele.
Era como se o mundo, sedento de mistério, tivesse deixado de lado a razão em troca de um espetáculo de ilusão.


III. CIA, KGB e os arquivos da vergonha racional

E o mais inacreditável: os próprios estados alinharam na ilusão.
A CIA e a KGB, em plena Guerra Fria, gastaram fortunas em investigações parapsicológicas. Procuravam:

  • Leitores de mente,
  • Sabotadores remotos com poderes psíquicos,
  • "Espiões astrais" que podiam sair do corpo e visitar bunkers inimigos.

Projetos como o MK-Ultra, que começou com LSD e manipulação mental, e o Stargate Project, onde visionários tentavam "ver" instalações soviéticas a partir de laboratórios americanos.

Milhões de dólares públicos investidos em devaneios com nomes científicos.
E no fim?
Nada replicável. Nada científico. Só embaraço. Relatórios classificados para esconder o ridículo.


IV. A minha crítica precoce — e necessária

Enquanto tudo isto fervia, eu observava. Estudava.
Dissecava os fenómenos com o bisturi da lógica. Sabia — mesmo sem ainda ter vocabulário técnico — que um verdadeiro fenómeno científico:

  • Repete-se em laboratório,
  • Resiste ao escrutínio,
  • E não depende da emoção coletiva.

Eu via logo:

  • Que os filipinos usavam bolsos falsos,
  • Que os médiuns liam linguagem corporal, não espíritos,
  • E que a mente humana, embora maravilhosa, não faz magia. Faz neurobiologia.

V. O perigo de acreditar no impossível

O problema não está nos charlatães — esses sempre existiram.
O problema é quando as instituições se rendem ao charlatanismo.
Quando universidades, agências de segurança e governos trocam o método científico pelo misticismo travestido de esperança.

A minha voz crítica, naquele tempo, foi solitária. Mas necessária.
E hoje, mais do que nunca, é preciso que volte a ouvir-se.
Porque os erros do passado voltam com nova maquilhagem: agora chamam-se "energia", "vibração", ou "ciência quântica aplicada ao coaching".


Epílogo: Nem tudo que mente é mente superior

A mente humana é magnífica.
Mas não dobra metais.
Não atravessa paredes.
Não espreita pelo "terceiro olho" para dentro dos arquivos secretos de Moscovo.

A mente pensa, imagina, cria.
E quando é guiada pela verdade — salva-nos do ridículo.


Artigo de Francisco Gonçalves in "histórias da minha vida".

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