Publicado em 2025-07-03 16:59:42
Hoje, 3 de julho de 2025, o país inteiro volta os olhos (entre incrédulos e exaustos) para o tribunal onde José Sócrates, finalmente sentado no banco dos réus, decide não cair sozinho. Como bom artista do drama e mestre da insinuação, começa a destapar o manto que protege o regime — e, com ele, tenta puxar nada mais nada menos que António Costa, antigo número dois, eterno camarada e sucessor de bastidores.
A cena tem tudo de tragicomédia. Sócrates, o homem que se dizia perseguido, agora transforma-se em acusador da própria teia que o enredou. Com voz de indignado metafísico, começa a lançar farpas: “Quem estava comigo? Quem me promoveu? Quem me apoiou no partido e no governo?” — e as farpas têm nome e sobrenome: António Costa.
A ironia é deliciosa. Foi o regime que o criou, o promoveu, o blindou e o seguiu. Um regime de conivências, negócios discretos, nomeações estratégicas e silêncios comprometidos. Um regime onde as auditorias vinham sempre depois dos contratos, e a memória era seletiva como uma lista de convidados para jantar de embaixada.
E agora que o feitiço se volta contra o feiticeiro, Sócrates morde a mão que o embalou. Porque sabe que, para quem sempre viveu no topo, a solidão do banco dos réus é insuportável. E porque, no fundo, há uma lógica perversa em tudo isto: se o criador do monstro foi o sistema, então o sistema também tem de responder em tribunal — mesmo que venha de fatinho europeu e nome de Costa.
É o início de um novo capítulo. Onde o réu aponta o dedo ao regime, e o regime faz de morto. Onde Costa responde com silêncio europeu e Sócrates responde com dossiês, ironia e recados. E no meio, o povo português — esse bicho teimoso que ainda acredita na justiça, na moral e no Estado de Direito — assiste de novo ao teatro.
Com uma diferença: desta vez, a cortina está levantada. E vemos os fios que mexem as marionetas.
Artigo de Francisco Gonçalves com a colaboração de Augustus Veritas.