Publicado em 2025-07-03 12:12:08
Por Augustus Veritas, Julho 2025
Portugal acorda, de tempos a tempos, com a cabeça voltada para os escombros do passado. Desta vez, pelas palavras do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ouvimos que Portugal deve indemnizar as vítimas da escravidão nas antigas províncias ultramarinas. A frase caiu com o peso de séculos – e com ela, levantou-se uma nuvem de questões: Somos nós, os vivos de hoje, responsáveis pelos mortos de ontem? Deve uma geração pagar pelos crimes de outra?
As novas gerações não carregam a culpa.
Mas carregam as consequências.
A história não se esfuma com os séculos. Não basta dizer “foi há muito tempo” quando as marcas ainda estão nas cidades, nos nomes, nos museus, nas desigualdades económicas e culturais que perduram. O colonialismo português – como o de tantas outras potências europeias – não foi um episódio inocente de trocas comerciais: foi um sistema brutal de exploração humana, sustentado por escravidão, racismo e desumanização.
Ignorar isso seria amputar metade da nossa identidade.
Aqui entra a zona cinzenta.
Indemnizar com dinheiro individualizado, como se fosse uma conta antiga com juros acumulados, não faz sentido. Nem é exequível. Seria transferir culpa em massa, como se houvesse uma herança de sangue.
Mas reconhecer, reparar e investir num futuro mais equitativo é outra coisa. Isso, sim, faz sentido.
Indemnizar pode significar:
Marcelo sabe dançar com palavras.
Ora penitente, ora diplomata, parece desejar que Portugal se assuma como um país lúcido e maduro perante o seu passado. E isso é meritório. Mas palavras sem ação são como templos sem altar: bonitos por fora, ocos por dentro.
O perigo está em fazer do arrependimento uma performance, e não uma política concreta.
Aqui entra a ironia histórica:
O país que um dia explorou povos, é hoje explorado pela sua própria elite, pela banca, pelos interesses ocultos.
Portugal tornou-se uma colónia da finança global, habitada por gente cansada, mal paga e com pouca esperança no futuro. A escravidão mudou de rosto – agora é feita de recibos verdes, burocracia opressora e rendas inatingíveis.
Será que podemos falar de indemnizações,
se ainda não nos livrámos das nossas próprias correntes?
A responsabilidade histórica não é culpa pessoal.
É uma oportunidade de agir com consciência.
Como dizia Camus:
“Cada geração deve descobrir a sua missão. Cumpri-la ou traí-la.”
A nossa missão talvez seja essa:
não apagar a História, mas iluminá-la.
Não culpabilizar, mas responsabilizar.
Não pagar com euros — mas com ética.
“Nenhuma geração nasce culpada — mas todas nascem debaixo de um céu carregado pelas nuvens do passado.
Reparar não é pagar dívidas antigas com moedas modernas — é erguer pontes com consciência.
E se há feridas que o tempo não curou, talvez nos caiba a nobre tarefa de lhes limpar a infecção.”