"Em Portugal, ninguém desaparece do sistema. Apenas muda de cadeira."

No dia em que termina o seu mandato como governador do Banco de Portugal, Mário Centeno faz aquilo que muitos no aparelho de Estado sabem fazer com mestria: não sair verdadeiramente.

Em vez de se despedir com dignidade, como qualquer gestor que cumpriu (ou falhou) o seu ciclo, Centeno recicla-se como "consultor da Administração", ficando a pairar na sombra do poder como um espectro bem pago — e bem instalado.

Fala ao JornalPT50 sobre estabilidade, inflação e agilidade do BCE como quem declama mantras do economês que já ninguém ouve com real atenção. Sim, Mário, a estabilidade é importante, tal como a poesia é bela — mas convém que traga algo de novo, útil ou transformador. Coisa rara nos teus discursos redondos como moedas de um cêntimo.

Enquanto isso, a economia portuguesa vai oscilando entre precariedades e ilusões. O povo continua sem acesso real à habitação, os salários não acompanham a inflação, e o sistema bancário, apesar de estável, serve mais os seus acionistas do que os cidadãos.

Centeno fala de "riscos descendentes" e "âncoras da inflação" com o entusiasmo de um técnico de Excel. Mas o que nunca menciona são os riscos ascendentes de desigualdade, ou a falta de coragem das autoridades monetárias para desafiar os dogmas da finança globalizada.

Um inútil do sistema?

Não no sentido estrito — Centeno é útil ao próprio sistema que perpetua a sua irrelevância política e técnica, enquanto se vai acumulando cargos, condecorações e salários.

Já não governa, não propõe reformas estruturais, não levanta ondas. Mas permanece.

Porque em Portugal, quem chega a determinado nível de conforto institucional nunca cai. Apenas flutua.


Artigo de Francisco Gonçalves in Fragmentos de Caos (c)

🌌 Fragmentos do Caos: Blogue Ebooks Carrossel
👁️ Esta página foi visitada ... vezes.