Publicado em 2025-06-16 22:13:58
Por Francisco Gonçalves & Augustus Veritas
José Medina Carreira, jurista, economista, professor e ex-ministro das Finanças, foi uma das vozes mais lúcidas, incómodas e necessárias do Portugal democrático. Durante décadas, denunciou com coragem e rigor o colapso progressivo das finanças públicas, a falência do sistema político e a ignorância generalizada dos cidadãos. Ignorado por muitos em vida, as suas palavras hoje ressoam com uma clareza profética.
Para Medina Carreira, o Estado português cresceu descontroladamente desde a década de 1970, criando uma máquina pública pesada, burocrática e insaciável. Um Estado que gasta sistematicamente mais do que aquilo que a economia nacional gera. Alertava que os sucessivos governos preferiram endividar o país a reformar a máquina do Estado, mantendo assim o conforto das elites e das clientelas partidárias.
“Estamos a viver acima das nossas possibilidades há décadas.”
Medina foi dos primeiros a alertar que o sistema de pensões, tal como estruturado, seria insustentável a prazo. Dizia que Portugal envelhecia rapidamente, com uma taxa de natalidade em declínio, e que os ativos não conseguiriam sustentar os inativos. A solução? Reformar estruturalmente — o que ninguém quis fazer por medo de perder votos.
“Os políticos sabem que o sistema vai rebentar, mas não têm coragem de o dizer.”
Um dos alvos principais da crítica de Medina Carreira era a classe política portuguesa, que considerava formada por carreiristas sem competência técnica, movidos por ambições pessoais e lealdades partidárias, não por mérito ou serviço público. O Parlamento era, para ele, uma "assembleia de bajuladores do chefe de fila".
“O país é governado por uma maioria de incompetentes, validados por uma minoria de cínicos.”
Medina denunciava o facto de Portugal viver encostado à União Europeia, dependente de fundos estruturais e programas comunitários, sem plano de desenvolvimento autónomo. Os fundos eram mal geridos, investidos em obras de fachada, rotundas, eventos, e propaganda. O país não tinha política industrial, nem visão de futuro.
“Portugal tornou-se um país que gasta mal aquilo que não tem.”
Talvez a crítica mais dura de Medina fosse dirigida ao próprio povo português, que considerava pouco informado, resignado e manso, mais interessado em futebol e telenovelas do que em contas públicas e governação. Para ele, a democracia exige cidadãos exigentes e atentos — algo que Portugal, lamentavelmente, não cultivou.
“Um povo ignorante é o primeiro aliado da corrupção e da incompetência.”
Medina Carreira foi um profeta do colapso anunciado — e poucos quiseram ouvir. Hoje, com os défices a regressar, os serviços públicos em rutura e a confiança nas instituições pelas ruas da amargura, as suas palavras ecoam como avisos não escutados. Portugal perdeu um pensador incómodo — e continua a pagar o preço por ignorar os que ousam dizer a verdade.
“Em Portugal, pensa-se pouco e governa-se ainda menos.”
Portugal vive num faz-de-conta. Somos um país em que ninguém quer discutir os problemas sérios. Os partidos não dizem a verdade. Os governos mentem. Os eleitores preferem a ilusão.”
Medina Carreira, em 2016 - economista e ex-ministro das Finanças de Portugal em 1975.
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