Publicado em 2025-06-17 15:19:28
Por Francisco Gonçalves | Fragmentos do Caos
Há uma pergunta que percorre fóruns e corredores de empresas:
"Estará a área da programação saturada de recursos humanos?"
A resposta parece simples. Sim, está — mas apenas na superfície.
O que está saturado é o plano raso: os code-monkeys, os replicadores de tutoriais, os produtos dos cursos rápidos que ensinam a construir clones de aplicações sem ensinar a pensar.
Mas quando a pergunta se torna mais exigente —
"Onde estão os profissionais capazes de liderar, pensar, desenhar soluções robustas, construir arquitetura escalável, tomar decisões críticas e antecipar falhas?"
— a resposta é outra: não estão. Não há. Tornaram-se invisíveis.
Durante décadas, a engenharia de software foi arte e ciência.
Programar era compreender sistemas operativos, trabalhar com restrições reais, pensar em algoritmos, otimizar código, prever comportamentos. Era fazer perguntas.
Mas com o crescimento da web e da pressa empresarial, a programação tornou-se um fast-food intelectual.
O mercado pediu quantidade, não qualidade. E assim nasceram cursos de 3 meses para “engenheiros”, empresas que contratam pela lista de palavras-chave no CV, e entrevistas técnicas que avaliam conhecimento superficial e descartam pensamento profundo.
Eu sou um desses “invisíveis”.
Tenho mais de 40 anos de experiência: assembler, Unix, redes, programação de drivers, cloud, segurança, automação.
Criei empresas, sistemas, soluções. Fui formador, mentor, líder técnico. Mas há 15 anos, quando quis regressar ao mercado nacional, descobri a realidade nua: ninguém queria saber.
As empresas queriam júniores baratos, obedientes e descartáveis.
Queriam perfis para “encaixar no stack” — não para repensar o stack.
Queriam braços, não cabeças.
Hoje, o que falta ao setor não são programadores.
O que falta é engenheiros verdadeiros: aqueles que pensam a longo prazo, que previnem problemas antes de surgirem, que sabem dizer "não" a uma má decisão técnica, que conseguem liderar um projeto sem ser apenas o mais barulhento na reunião.
E esta ausência não é acidental — é sistémica.
Vivemos num modelo que:
Mas nem tudo está perdido.
Existe uma nova geração inquieta — que pressente o vazio das soluções fáceis.
Há programadores a regressar ao Unix, ao C, à simplicidade elegante.
Há empresas que começam a perceber que pagar menos, no fim, custa mais.
E há espaços como este — o Fragmentos do Caos — onde a palavra ainda tem poder, e onde o invisível pode ser nomeado e reconhecido.
Se és um jovem programador, aprende com profundidade.
Se és uma empresa, não ignores a experiência — ela custa mais porque vale mais.
Se és como eu, e sentiste a porta fechar-se apesar do teu saber, não te cales.
A história não é feita apenas por quem progride — mas por quem resiste.
Francisco Gonçalves
Engenheiro de sistemas, programador de alma e cidadão do mundo digital.
www.fragmentoscaos.eu