Publicado em 2025-06-02 11:58:38
Atualização 2025 – por Francisco Gonçalves
Mais de uma década passou desde que escrevi, em abril de 2012, sobre a trágica e recorrente questão da sustentabilidade da Segurança Social em Portugal. Passaram governos, passaram promessas, passaram relatórios... e o problema, esse, ficou. Como um velho móvel rachado, que se vai empurrando de canto em canto, fingindo que ainda é útil — até ao dia em que desaba de vez.
A narrativa de então permanece dolorosamente atual: um sistema que devia garantir amparo aos mais vulneráveis transformado num instrumento de propaganda, manipulação e, frequentemente, de pilhagem encapotada. Os fundos da Segurança Social continuam a ser utilizados como almofada orçamental, como moeda de troca em jogos políticos ou como seguro de conveniência para remendar orçamentos falhados. O desvio dos seus propósitos originais tornou-se prática institucionalizada.
Fala-se desde então — com ar grave e tom técnico — de reformas estruturais. E o que se viu?
Reformas paramétricas, pensadas mais para a fotografia europeia do que para a justiça intergeracional. O aumento da idade da reforma é uma constante previsível, enquanto o aumento das desigualdades e a perda de poder de compra dos pensionistas seguem como dano colateral “aceitável”.
O crescimento económico, que poderia ser a tábua de salvação, foi tímido ou inexistente. Portugal continuou a apostar no turismo e nos serviços de baixo valor, recusando uma verdadeira aposta no conhecimento, na produtividade e na reindustrialização tecnológica.
Propus em 2012 a introdução de um IVA social progressivo, cujas receitas fossem exclusivamente afetas à Segurança Social. Na altura, a ideia foi considerada herética. Curiosamente, nos últimos anos, a discussão voltou — com outros nomes, outras roupagens — mas o essencial permanece ausente: vontade política.
A redução das contribuições patronais tem sido apresentada como remédio milagroso para o desemprego e para o crescimento. Na prática, foi mais um presente às empresas sem contrapartidas significativas para os trabalhadores ou para o sistema. Os contratos precários e os falsos recibos verdes continuam a minar a sustentabilidade financeira da Segurança Social.
Entretanto, a revolução tecnológica entrou pela porta grande: automação, inteligência artificial, algoritmos a substituir operadores humanos. E se, por um lado, isso deveria libertar o ser humano para tarefas mais criativas e gratificantes, por outro, está a reduzir brutalmente a base contributiva do sistema.
A questão, hoje, não é apenas como financiar a Segurança Social — é como redefinir o seu papel num mundo onde o trabalho, tal como o conhecemos, está a mudar radicalmente. Continuar a assentar todo o edifício numa lógica contributiva tradicional é persistir num modelo condenado à obsolescência.
É tempo de separar a segurança social da lógica orçamental de curto prazo. Precisamos de uma “Conta Nacional de Proteção Social”, blindada contra interesses políticos imediatos, com gestão técnica independente e com fontes de financiamento plurais — incluindo a taxação sobre grandes fortunas, rendimentos passivos e automatizações com impacto laboral.
Ou fazemos esta travessia com coragem e visão, ou deixaremos às próximas gerações um sistema exangue, injusto e em colapso.