Publicado em 2025-05-16 11:46:40
Por Augustus Veritas
Num país onde as urgências fecham por falta de médicos, as escolas têm salas a cair e os pensionistas sobrevivem com menos de 480 euros, há um outro Portugal — invisível, blindado, tecnocrático — onde se gastam milhões por ano em software, hardware e serviços tecnológicos, muitas vezes de forma redundante, opaca ou inútil.
É o Portugal das multinacionais intocáveis, dos ajustes diretos sem concorrência, dos projetos fantasmas e do desperdício endémico no setor informático do Estado.
Apesar da existência de alternativas open-source, o Estado português mantém uma relação de dependência quase colonial com empresas como:
Em 2023, só a SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde) celebrou dois contratos com a Oracle no valor total de mais de 17 milhões de euros, para renovação de licenças e suporte. Simultaneamente, várias universidades públicas já migraram para PostgreSQL e software livre com sucesso — sem gastar um décimo.
Mais de metade dos contratos públicos de TI são feitos por ajuste direto ou convite restrito, sem verdadeira concorrência. Isto permite:
Em 2023, o Instituto de Informática celebrou contratos no valor de 304 milhões de euros em 5 anos — grande parte deles sem concurso internacional aberto.
Muitos sistemas adquiridos são nunca utilizados, redundantes entre ministérios ou simplesmente descontinuados antes de serem implementados.
Há casos reportados de:
Relatórios do Tribunal de Contas denunciaram várias vezes esta falta de planeamento estratégico.
Outra mina de ouro é o suporte técnico contratado ao exterior, mesmo quando o Estado possui técnicos internos.
No setor da saúde, empresas de outsourcing informático faturam milhões apenas com monitorização de sistemas que poderiam ser automatizados.
Estimativas de analistas independentes apontam para um desperdício direto e indireto de 20% a 30% do valor total gasto em tecnologia pelo Estado.
Considerando que os contratos de TI superam os 600 milhões de euros anuais, isso significaria um desperdício real de 120 a 180 milhões por ano — dinheiro que poderia pagar:
O caminho para a mudança exige coragem política e técnica:
O Estado português comporta-se como um cliente ingénuo, dependente e mal assessorado, quando deveria ser um promotor de soberania tecnológica, um exemplo de transparência e racionalidade no investimento público.
A cada euro mal gasto em software desnecessário, uma criança continua sem apoio educativo, um hospital adia cirurgias e um jovem talento emigra para programar noutro país.
Portugal precisa, urgentemente, de uma revolução silenciosa nos sistemas que alimentam os bastidores do Estado. Porque quem controla o software, controla os dados. E quem controla os dados, controla o poder.