O Cansaço da Excelência e o Triunfo do Superfícial

Publicado em 2025-05-26 22:06:14

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Reflexões de um programador que nunca se vendeu ao facilitismo

por Francisco Gonçalves

Houve um tempo em que ser profissional significava trabalhar até merecer esse título.
Significava errar, corrigir, estudar à noite, trabalhar aos fins de semana, enfrentar o desconhecido com uma coragem silenciosa e uma humildade militante.
Nesse tempo, chamavam-se "programadores" os que sabiam programar. E "especialistas", apenas aqueles que demonstravam conhecimento a sério — com provas no terreno, não apenas em posts de LinkedIn.

Comecei a programar nos finais da década de 70.
Na altura, não havia Stack Overflow, YouTube nem GPTs.
Havia manuais técnicos, ecrãs verdes, punch cards, bugs difíceis, e uma exigência quase espartana de rigor e entrega.
A inspiração existia, claro — mas era a transpiração que movia montanhas.

Eram dias de 10 a 12 horas de trabalho, sem atalhos nem ilusões. Estudar todos os dias. Explorar conceitos de madrugada. Dominar linguagens como quem aprende novos alfabetos. E sobretudo, resolver problemas complexos com serenidade, sob pressão, com sentido de missão e responsabilidade.

A relação com os projetos era quase conjugal:
dávamos tudo — ideias, tempo, energia — e recebíamos algo mais precioso do que dinheiro: respeito técnico, aprendizagem real e o sabor raro de ver algo difícil a funcionar.

Hoje… é outra coisa.


A Era dos “Especialistas Instantâneos”

Vejo com perplexidade uma nova geração que se autodenomina "senior" ao fim de dois anos — ou menos.
Pessoas que, depois de verem meia dúzia de tutoriais ou navegarem no Windows, se apresentam como "consultores" ou "especialistas em cibersegurança", "data science", "devops", e tudo o que estiver na moda da semana.

Já nem se esforçam por parecer competentes — apenas por parecer “atuais”.

E o mercado alimenta esta ilusão:


A Dedicação Tornou-se Opcional?

O que mais me espanta nem é a ignorância.
É a falta de entrega. A ideia de que trabalhar com profundidade e lealdade ao projeto é opcional.

Vejo isto em Portugal. Mas também em Inglaterra. Em França. Na Holanda.
É um cansaço europeu da excelência.
Como se já não valesse a pena ser bom, porque o mercado premia apenas quem grita mais alto — não quem faz melhor.


Ser Profissional Ainda É Possível?

Pergunto-me, muitas vezes, se estou a envelhecer ou apenas a resistir.
Se estou fora do tempo… ou simplesmente a ver o tempo como ele realmente é — sem ilusões.

E chego sempre à mesma conclusão:

Ser profissional de verdade nunca sai de moda.

Pode deixar de ser valorizado por alguns.
Pode ser confundido com rigidez.
Pode ser ridicularizado por quem só conhece atalhos.

Mas para quem tem integridade técnica, compromisso e brio no que faz…
a excelência continua a ser o único caminho digno.


Conclusão: O Futuro é de Quem Estuda com Paixão

Não me movo por saudosismo.
O meu tempo não foi melhor — foi apenas mais honesto com o que significa saber algo.

Por isso, escrevo estas palavras como um legado.
Para os jovens que ainda querem aprender com verdade. Para os profissionais que ainda sentem orgulho em resolver um problema difícil. Para os inconformados que ainda acreditam na ética do conhecimento.

Se estás a começar agora, deixa-me dizer-te uma coisa:
não deixes que o ruído dos títulos fáceis te distraia.
Escolhe o caminho da profundidade. Estuda. Explora. Vai além dos tutoriais. Lê RFCs. Monta servidores. Faz perguntas difíceis. Resolve os problemas dos outros como se fossem teus.

E quando ninguém estiver a ver…
Continua a fazer bem. Porque é isso que define um profissional.


Francisco Gonçalves
Fundador da SofteLabs e da Lucidez Persistente
Especialista em não desistir



"Hoje, ser competente tornou-se subversivo.
Persistir na excelência, um ato de resistência.
E estudar com paixão, quase uma relíquia.
Mas enquanto eu respirar, recuso-me a trocar profundidade por performance,
verdade por vaidade, ou saber por aparência."

Francisco Gonçalves


✒ Porque razão escrevo e publico livremente?

Porque acredito que o pensamento deve ser partilhado, não aprisionado.
Escrevo para despertar, não para agradar.
Publico livremente porque o saber é um direito, não um produto.


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