A Era da Mentira Agradável e que conforta

Publicado em 2025-05-30 13:30:48

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Por Francisco Gonçalves

Vivemos tempos estranhos. Tão estranhos que, por momentos, já nem sabemos se estamos vivos ou apenas a existir dentro de uma ilusão bem produzida.

Hoje os factos deixaram de importar. As estatísticas são apenas armas para quem já decidiu o argumento antes de o provar. A verdade passou a ser um luxo — incômodo, ríspido, pouco partilhável nas redes sociais. Substituíram-na por teses docinhas, digestíveis, confortáveis como almofadas de algodão rosa. E o povo? O povo agradece. Aplaude. Partilha.

Chamam-lhe “narrativa”. Eu chamo-lhe sedação.

Estamos a viver dentro de bolhas de realidade fabricada. Cada um o seu mundo, cada um a sua verdade, cada um o seu culto. E o pior? Há mercado para tudo. Para cada mentira existe um público-alvo. E, como diria um velho amigo meu, “os dados estão viciados, mas as emoções continuam em alta”.

A tecnologia, que devia libertar, tornou-se instrumento de domesticação. O algoritmo conhece-nos melhor do que nós próprios. Sabe o que queremos ler, ouvir, sentir. E dá-nos isso. Sempre isso. Nunca mais do que isso. Porque pensar cansa. Refletir dói. Mudar é desconfortável. E assim, como ovelhas hipnotizadas por luzes artificiais, caminhamos para o abismo — sorridentes, fotografados, entretidos.

Este não é apenas o declínio de uma civilização — é o espetáculo do seu suicídio voluntário.

Rejeitar os factos, fugir da verdade, matar a dúvida: são sintomas avançados de uma sociedade que se habituou ao engano como se fosse afeto. E quando o engano se torna norma, quando o delírio substitui o juízo, o fim não é apenas previsível. É inevitável.

Mas nem tudo está perdido. Há quem ainda escreva. Há quem ainda observe. Há quem se revolte em silêncio, como um sismógrafo a registar os tremores da alma coletiva.

A esses — poucos, dispersos, lúcidos — deixo uma palavra: resistam.

Porque um dia, talvez num tempo ainda distante, alguém há de escavar os escombros deste tempo e perguntar:
"Como foi possível?"
E talvez, com sorte, encontre uma voz antiga, enterrada nas cinzas digitais, que responda:
"Eu vi. Eu escrevi. Eu avisei."


“A verdade tornou-se incómoda. Substituíram-na por versões confortáveis da mentira. Esta não é apenas a decadência de uma civilização — é o espetáculo do seu suicídio voluntário.”