Publicado em 2025-03-21 20:28:47
Durante décadas, Portugal habituou-se a viver com a almofada dos fundos europeus. Foram centenas de milhares de milhões de euros canalizados para infraestruturas, agricultura, modernização da administração pública, formação, educação, coesão social, ciência, inovação, digitalização, e muito mais. No entanto, em vez de os utilizar para transformar estruturalmente o país, sucessivos governos — tanto do PS como do PSD — optaram por gerir o presente, tapar buracos e adiar o futuro.
Agora, à medida que se aproxima o fim do atual Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia, e com a crescente pressão de Bruxelas para que os países demonstrem verdadeira responsabilidade orçamental, paira uma inevitável pergunta no ar: e quando os fundos acabarem, o que será de Portugal?
Portugal tem vivido como se os fundos europeus fossem eternos e incondicionais. Entre 1986 (data da adesão à então CEE) e 2024, o país recebeu mais de 140 mil milhões de euros em apoios comunitários. Este fluxo de capital permitiu compensar défices crónicos de investimento, mascarar a baixa produtividade e, muitas vezes, sustentar sistemas ineficientes com pouco retorno económico.
Com o seu eventual fim — seja por esgotamento dos envelopes disponíveis, seja por uma nova prioridade da UE para os países do leste europeu — a realidade nua e crua emergirá:
Apesar das oportunidades criadas pelos fundos, Portugal falhou em evoluir para um modelo económico sustentável. As empresas continuam, em larga medida, assentes em setores de baixo valor acrescentado, como o turismo, o retalho, a construção civil e a agricultura subsidiada. Poucas investem seriamente em I&D, em diferenciação tecnológica ou em internacionalização robusta.
Além disso, a dependência de emprego mal pago — onde 30% dos trabalhadores ganham o salário mínimo — revela uma economia estagnada, pouco exigente, que recompensa a mediocridade e penaliza o talento. Os melhores emigraram, os que ficaram vivem entre a precariedade e o conformismo.
Mais grave ainda do que a dependência económica é a dependência moral da política portuguesa em relação aos fundos europeus. Em vez de os usar para fazer reformas — na justiça, na administração, na fiscalidade, na educação — os partidos usaram-nos como maná político, para distribuir favores, alimentar clientelas, manter poder local e calar contestação social.
Essa cultura de "viver à custa de" criou uma elite política e económica parasitária, que se instalou confortavelmente em gabinetes e comissões, longe da realidade das famílias portuguesas.
Será preciso o colapso para que haja reforma? Terá Portugal de bater no fundo para, finalmente, enfrentar os seus fantasmas?
A ausência de fundos europeus poderá ser, paradoxalmente, o choque de que o país precisa para mudar de paradigma. Mas isso só acontecerá se:
Portugal encontra-se numa espécie de estado de sítio silencioso: económico, político, social e moral. Os fundos europeus foram, durante anos, a morfina que adormeceu a dor da estagnação. Agora que a anestesia se aproxima do fim, a ferida volta a sangrar, exposta e crónica.
É tempo de parar de empurrar os problemas com a barriga. É tempo de olhar o futuro com verdade, coragem e ação. Porque sem fundos europeus, o que restará é o que verdadeiramente somos.
E se nada for feito, a resposta será dolorosa: um país pobre, resignado, dividido e irrelevante.
Créditos para IA, DeepSeek e chatGPT (c)
Um grafico que mostra a afluência de fundos europeus a Portugal, até 2020 :